O HOMOSSEXUALISMO E O RELATIVISMO MORAL
Márcio Luís Chila Freyesleben
Procurador de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais
Um dos traços marcantes do pensamento pós-modernista é o relativismo. O relativismo nega a existência de qualquer regra ou teoria que sustente verdades absolutas, inequívocas ou transcendentais. Os relativistas defendem que nada é objetivamente certo ou errado, bom ou mau. Para os relativistas, a ética e a moral são determinadas por fatores mutáveis, diferentes e contraditórios. O conceito de bem e mal depende do ponto de vista de cada cultura; oscila, pois, no tempo e no espaço: não passa de um ponto de vista histórico. Não há critério absoluto de moralidade ou de ética, logo todos os discursos, as normas ou os padrões éticos ou morais são puramente arbitrários e, sendo assim, inconsistentes.
Malgrado busquem demonstrar, os relativistas, que sua filosofia deita raízes nos pré-socráticos (em Protágoras de Abdera, para Edmund Husserl), o relativismo ganhou a conformação patogênica na Teoria da Relatividade de Albert Einstein. A negação do espaço e do tempo como conceitos absolutos ensejou a difusão da crença de que tudo seria relativo, de que não haveria critérios de verdade universal.
Insistem os relativistas em cometer dois erros. O primeiro: desconsiderar a “invariância”. A Teoria da Relatividade de Einstein afirma que as leis da natureza são sempre as mesmas independentemente do ponto de vista do observador. Um passageiro sentado dentro de um trem em velocidade constante não sente o movimento do veículo. Se esse passageiro jogar uma bola de tênis para cima verticalmente, ela subirá e descerá descrevendo uma linha reta. Mas para um pedestre que estivesse observando da calçada, a trajetória da bola de tênis descreveria uma parábola, uma curva. O passageiro e o pedestre estão vendo trajetórias muito diferentes, mas as leis que regem os dois movimentos são as mesmas. A diferença é que, para o pedestre, a velocidade da bola está combinada com o movimento horizontal do trem. Conclui-se, portanto, que “se houver um observador que seja capaz de reconhecer as leis da natureza formuladas por Galileu e por Newton em seu sistema de referência, então qualquer outro observador que esteja em movimento em relação a ele vai ver os fenômenos de uma forma diferente, mas vai encontrar as mesmas leis. Ou seja, as leis da natureza são invariantes mesmo quando nós variamos o nosso referencial” (Mauro Almeida, “Pluralismo e relativismo nas sociedades humanas: o impacto das ideias de Einstein”, sítio www.revistapesquisa.fapesp.br). Ocorre, em verdade, o oposto do que os relativistas afirmam: “o princípio da relatividade, que já era conhecido por Galileu, diz que as leis da mecânica são igualmente verdadeiras para todos os observadores em movimento não acelerado” (idem).
Vê-se que, ao contrário do que pensam os relativistas, a relatividade de Einstein atesta a existência de regras invariáveis, constantes, imutáveis; absolutas e universais, portanto. Ao transporem o princípio da relatividade para as ciências sociais, os relativistas não levaram em consideração justamente a “invariância”. Assim como para a física, a sociedade também é regida por regras universais, invariáveis, isto é, por verdades imutáveis, absolutas.
Cá está o segundo erro: pecam os relativistas por rejeitar o que há de mais sagrado na cultura humana: sua tradição. Edificamos um valioso cabedal de experiências ao longo da história de nossa milenar sociedade ocidental. A tradição é a essência dessa história. É a essência de uma história que não se resume no relato da vida de nossos antepassados; mas antes revela as relações de causa e efeito de toda a dinâmica de nossos sucessos e de nossos fracassos através dos tempos. A tradição é o conjunto das crenças e das percepções da sociedade, repleta de valores e de virtudes consagrados pelo tempo. A tradição é nossa “herança cultural”, e com ela deveremos nortear as decisões da sociedade no presente, porque ela representa para nós a eterna medida das escolhas.
No entrechoque do relativo com o absoluto, o tema da homossexualidade merece especial relevo. A mudança de sexo, o casamento e a adoção são temas debatidos sob acirrada controvérsia. Na defesa de tais questões, os relativistas enveredam-se por uma espécie de niilismo, de recusa a qualquer valor universal. Defendem a mudança de sexo crentes de que a ablação da genitália e a construção de um simulacro de órgão genital feminino teria o condão de amainar todos os traumas da sexualidade transviada. Agem como adeptos de uma espécie de seita andrógina, devotada a um culto fálico às avessas, em que o não-pênis é colocado no centro do drama litúrgico.
A par da cirurgia para mudança física de sexo, pretendem também a sua mudança jurídica, isto é, a alteração da designação do sexo no registro de nascimento. Com efeito, o fato de uma pessoa não se conformar com sua natureza mesma não a transforma em outra coisa. Se o indivíduo não se considera “homem”, tal sentimento não o trasmuda em “mulher”. Na lapidar expressão do Desembargador Almeida Melo, citando Napoleão Bonaparte, “eu tenho um amo implacável: a natureza das coisas” (TJMG, proc. nº 1.0672.04.150614-4/001(1), sito www.tjmg.gov.br). Leciona o ilustre Desembargador que “não é preciso haver leis escritas para definir o que brota da natureza. A síntese de Napoleão pode ser transferida para este caso assim: a lei não precisa definir os fenômenos da natureza, como o gênero biológico dos seres. Não é preciso definir em lei o estado físico dos elementos (sólido, líquido ou gasoso) nem a maternidade”. Não pode a lei chamar o vento de chuva nem a morte de vida. Logo, lançar no registro indicação de sexo diferente, além de afrontar a natureza das coisas, é fazer afirmação fraudulenta.
No magistério do Desembargador Almeida Melo, “a identidade sexual deve ser reconhecida pelo homem e pela mulher, por dizer respeito à afetividade, à capacidade de amar e de procriar, à aptidão de criar vínculos de comunhão com os outros”. As diferenças físicas, morais e espirituais “estão orientadas para a organização do casamento e da família; a diferença sexual é básica na criação e na educação da prole”. A harmonia social depende da maneira como os sexos convivem e se complementam. “O Direito é a organização da família e da sociedade. Não pode fazê-lo para contrariar a natureza. Ainda que a aparência plástica ou estética seja mudada, pela mão e pela vontade humana, não é possível mudar a natureza dos seres”. Para a Ciência Jurídica é sumamente relevante a função social do sexo.
Nas lúcidas considerações do Desembargador Dárcio Lopardi Mendes: “Malgrado o indivíduo transexual, após a realização da cirurgia de transgenitalização, pareça fisicamente com o sexo oposto (sexo anatômico), e sinta-se como tal (sexo psicológico), tenho que o sexo biológico permanece inalterado. O transexual masculino, por exemplo, apesar de, após cirurgia e tratamento hormonal, passar a ostentar mamas salientes e uma espécie de vagina, não possui útero nem ovários. Seus órgãos internos são de um homem. Situação inalterável, perene. Não há, nem jamais haverá, possibilidade de transformar um indivíduo nascido homem em uma mulher, ou vice-versa. Por mais que esse indivíduo se pareça com o sexo oposto e sinta-se como tal, sua constituição física interna permanecerá sempre inalterada”. (TJMG, proc. nº 1.0024.07.595060-0/001(1), sítio www.tjmg.gov.br).
Ademais, urge não perder de vista o fato de que a alteração do sexo no registro de nascimento permitirá a ocorrência de um outro fato extremamente grave: o casamento guei. Uma vez alterado o assento de nascimento, a afirmação falsa viabilizará a realização de ato jurídico ilícito. Nisto, a retificação do registro de nascimento revela uma impostura, um embuste. Não passa, pois, de um estratagema malicioso, que visa a legitimar a inserção no ordenamento jurídico, por vias oblíquas, do matrimônio guei.
Não se trata agora de um problema pessoal e particular do guei. O casamento entre homossexuais é gravíssimo e ruinoso para a sociedade. Nas palavras do Cônego Henrique Soares da Costa, em consonância com a pregação do Santo Padre, o Papa Bento XVI: “O problema é que a questão em pauta diz respeito a toda a sociedade, pois que envolve o conceito de família; e de modo muito prático. Por mais que se queira negar, a família é decisiva para a constituição e para a personalidade de uma sociedade. Destrua-se uma e a outra perecerá. Na história, em todas as civilizações a sociedade como um todo sempre tutelou e normatizou a instituição familiar. Na família, os valores são transmitidos, a vida é gerada e tutelada, a própria identidade de uma comunidade humana é forjada e passada, geração após geração. Admitir um casamento ‘gay’ legalmente reconhecido, seria esvaziar e diluir totalmente o que seja família; ela seria somente, como defendem alguns desastrados, uma união afetiva de pessoas! Aceitar tranquilamente uma união civil entre homossexuais e, posteriormente, o direito à adoção de crianças, seria o mesmo que redefinir totalmente o que seja família para nós. Nosso conceito tradicional, plasmado pela nossa cultura e que, por sua vez, plasmou também muito da nossa sociedade, desapareceria totalmente. Nossas crianças e as gerações futuras teriam uma consciência totalmente deturpada do que seria uma família! A família não mais teria nada de sagrado, de perene, de estável, de específico, sendo reduzida a uma associação qualquer. Não se pode brincar com uma coisa tão séria! Infelizmente, tudo quanto essa nossa sociedade hedonista toca, transforma em lixo! É óbvio, portanto, que essa questão não diz respeito somente aos próprios homossexuais, mas a toda a sociedade; não é uma questão privada, como muitos querem enganosamente fazer pensar... A família já anda tão desacreditada, tão bombardeada, tão desmoralizada... [....]Não se pode, então, impor uma inovação tão grave e deturpadora do conceito de família a toda uma sociedade por vontade de uma minoria”.
E arremata o preclaro religioso: “Certamente, um casal homossexual que deseje viver maritalmente tem esse direito, desde que não imponha a toda uma sociedade a sua escolha. [....] O que não se deve aceitar de modo algum é que isso exija que se crie um casamento legal e, ainda mais, com a possibilidade de adoção de crianças! [....] Uma sociedade decente tem o dever de tutelar a família e as crianças. A questão é que nossa sociedade já há muito deixou de ser decente... Nossa sociedade é doente; doente do orgulho cego de uma humanidade que pensa que é a norma de si própria, o critério do bem e do mal!” (“A União Civil dos Homossexuais -2”, sítio www.padrehenrique.com).
Nivaldo Cordeiro, com a perspicácia que lhe é peculiar, fornece-nos o arremate derradeiro do tema: “Tem sido, o cristianismo, o veículo pelo qual a atualidade histórica tem sido transmitida nos dois últimos milênios e não podemos deixar de creditar à Igreja Católica o mérito de reconhecer na filosofia clássica seu outro Testamento, conforme a análise lúcida do então jovem teólogo Joseph Ratzinger, no seu Introdução ao Cristianismo, de 1967. Essa consciência história é o impregnar-se com as virtudes da tradição, a temperança, o senso de justiça, a tolerância. Virtudes assim podem ser praticadas sem que haja a aquisição de cultura livresca, bastando que não seja quebrado o fio da tradição. Por isso que Ortega insistia que um dos direitos mais importantes da pessoa humana era o da ‘continuidade’, precisamente o de se ter um passado e de se viver o presente, construindo o futuro, sem perder de vista o legado precioso das gerações anteriores” (“As Massas e o Estado em Ortega y Gasset, sítio eletrônico www.nivaldocordeiro.net).
É inadmissível romper com todos os valores e virtudes que a tradição nos legou. É inconcebível, em nome de um equivocado relativismo moral, romper com a herança cultural que a história ocidental nos transmitiu. Temos direito à continuidade, à tradição; temos direito a valores universais e transcendentais.